Reportagem originalmente publicada no Jornal da Metropole em 26 de maio de 2022

A onda mais recente de violência que assustou Salvador, com a morte de policiais militares e vários assaltos a bares e restaurantes, trouxe para o centro do debate da Segurança Pública um momento específico do processo que pune os criminosos: a audiência de custódia. A discussão se intensificou depois de um suspeito de assalto a bares ser preso pela PM e em seguida ser colocado em liberdade após audiência. 

Há quem defenda o instituto como forma de garantir direitos humanos e há quem veja na audiência de custódia um instrumento de impunidade. Apesar do debate acalorado, os números mostram que é pequena a parcela de suspeitos que, ao serem liberados, voltam a ser presos. Segundo relatório mais recente, elaborado pela Defensoria Pública da Bahia (DPE-BA), com dados de 2020, apenas 6,1% dos libeApenas 6% dos liberados nas audiências de custódia voltam a ser presos em flagrante por novos crimes; instrumento tem sido apontado como símbolo de impunidade Audiência no centro do debate luiz silveira/agencia cnj Jornal da Metropole, Salvador, 26 de maio de 2022 13 rados voltam a ser presos em flagrante por novos crimes. Das 4.436 audiências realizadas em Salvador, 270 resultaram em liberdade total para o preso. 

A audiência de custódia foi regulamentada apenas em 2015 e é uma exigência de tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil. “É um instituto repetido em diversos países do mundo, que nasceu para o Brasil colocar em prática uma realidade internacional. O objetivo dela é avaliar a legalidade da prisão. Antes, o preso ser ouvido pelo juiz era o último ato do processo, e precisa ser o primeiro, por isso a audiência”, explica o defensor público Pedro Casali, coordenador da Especializada Criminal e de Execução Penal da DPE. 

Responsável por mais de 60% das defesas em audiências de custódia, a DPE acompanha de perto os números. Segundo os dados, são ainda mais raros os casos em que o suspeito sai da audiência com liberdade plena. Na maioria das vezes, mesmo resultando em liberdade, a audiência impõe alguma restrição ao acusado como, por exemplo, obrigação de comparecimento periódico em juízo, restrição de acesso a lugares ou contato com determinadas pessoas, ou até o recolhimento domiciliar. “Casos pontuais não podem mudar a regra. A avaliação do judiciário é técnica e o juiz não age sozinho. O Ministério Público sempre está presente, fiscalizando”, defende Pedro. 

Subsecretário de Segurança Pública, Hélio Jorge, defende a prática da audiência com ressalvas. “A ideia de audiência de custódia é muito boa dentro de um sistema penal acusatório que seja célere. São os critérios que precisam ser analisados, para saber em que casos realmente vale conceder essa liberdade. É preciso ser mais criterioso antes de conceder um determinado tipo de liberdade para suspeitos que são presos reiteradamente”, disse em entrevista à Rádio Metropole. 

I M P U N I DA D E 

Mais radical, o promotor de justiça Davi Gallo é contra o instituto. “A audiência de custódia é o termo inexato para se usar. Deveria se chamar termo de impunidade. A primeira pergunta que fazem ao criminoso é se ele sofreu algum tipo de agressão. É uma inversão total dos valores”, disse o promotor, que afirma que seria a favor da audiência apenas nos casos dos chamados crimes de menor potencial ofensivo. “Qualquer crime que envolva violência precisa ser punido com reclusão, porque a função da pena é, primeiro, a educativa. Se você comete um erro, precisa pagar”, opinou durante entrevista à Rádio Metropole. 

Para o promotor, a audiência de custódia teve sua finalidade alterada no Brasil. Antes de ser regulada, o instituto foi usado, durante a ditadura militar, para evitar prisões por crimes políticos. Com a assinatura dos tratados internacionais veio, o que é para Galo, o principal erro. “O Brasil colocou todo mundo junto, estuprador, assassino”, afirma. Em números, os crimes relativos à lei de drogas são os mais enfrentados nas audiências de custódia, representando 44,2% dos casos. Crimes contra o patrimônio - como furtos e roubos - representam 37,6%. Polêmico, o promotor atribui às audiências de custódia a onda de violência enfrentada na cidade.