Foto: Vosmar Rosa/MPOR
Em meio ao temor de uma inundação de produtos chineses, com o
Brasil como eventual vítima do fogo cruzado das tarifas do presidente
americano, Donald Trump, a Camex (Câmara de Comércio Exterior), do Mdic
(Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), estuda a
adoção de mecanismos emergenciais de proteção comercial da indústria
brasileira.
Segundo a Folha de S.Paulo apurou, o órgão vem estudando
opções desde o ano passado, no contexto da disparada das importações de
produtos industriais da China, mas o Liberation Day, como foi apelidado o
tarifaço de Trump, acelerou o processo.
A avaliação da indústria é que apenas as tradicionais e
demoradas medidas antidumping —punições para quando os produtos importados
chegam no mercado interno a preços mais baixos do que os praticados na origem—
não darão conta de evitar estragos no curto prazo se a China redirecionar parte
dos manufaturados dos EUA para o Brasil.
Em um cenário indefinido de guerra comercial, muitos setores
vêm defendendo junto ao governo a adoção de medidas mais rápidas e amplas, como
cotas de importação ou salvaguardas, que são ações temporárias (de duração de
um anoaplicadas a todos os países, e não apenas a casos individuais.
Uma das opções em estudo na Camex é a adoção de uma espécie
de salvaguarda simplificada, cujo processo seria muito menos burocrático e
rápido do que todas as especificações necessárias para uma decisão de
antidumping, por exemplo. A partir da conclusão dessa avaliação agilizada,
seriam aplicadas medidas de proteção provisórias nos casos em que forem
constatadas importações desleais.
Procurado, o Mdic afirmou que "não fala de
previsões" e que as "decisões são tomadas em colegiado".
O movimento de intensificação do recurso a medidas de
proteção comercial já vinha acontecendo nos últimos anos, na esteira do salto
nas importações brasileiras de manufaturados.
"A indústria brasileira já vinha em um processo de ver o
volume de importações, em especial da China, aumentando", avalia Rene
Medrado, sócio e especialista em comércio internacional e direito aduaneiro do
escritório Pinheiro Neto. "Neste ano, em meio às incertezas das tarifas de
Trump, poderemos alcançar um patamar recorde de pedidos", completa ele,
que é presidente do Ibrac (Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência,
Consumo e Comércio Internacional).
No ano passado, o Departamento de Defesa Comercial (Decom),
do Mdic, recebeu 106 petições de adoção de medidas de proteção, aumento de 140%
em relação a 2023, segundo os dados mais recentes da pasta. Em 2025, até agora,
foram 17 petições, a maior parte de antidumping.
"Há dois anos há uma movimentação bem grande na defesa
comercial brasileira, com destaque para 2024", aponta Fernando Benjamim
Bueno, sócio da área de comércio internacional da Demarest. "A principal
causa foi o desvio comercial [quando países redirecionam seus produtos ao
encontrarem barreiras comerciais]. O mundo se tornou mais protecionista, da
União Europeia a países do próprio Sudeste Asiático", resume.
Atualmente, o Decom possui 73 investigações em curso, 34
delas envolvendo a China. Os setores com maior número de investigações são
metais (11 casos), têxteis (5 casose plásticos e químicos (4 casos cada).
Hoje há 126 medidas em vigor, a maior parte contra produtos chineses, segundo o
departamento.
SALTO NAS IMPORTAÇÕES
O aumento no número de pedidos de investigação casa com a
aceleração na taxa de crescimento das importações com origem na indústria de
transformação, em especial da China. Em cinco anos, as compras de produtos
industriais chineses saltaram 78%.
O movimento vem ganhando tração: entre janeiro e março deste
ano, a alta no desembarque dos produtos chineses foi de 36% na comparação com
mesmo período do ano passado. Em 2024, essa expansão havia sido de 29% ante
2023.
"Desde dezembro do ano passado, o mundo inteiro viu uma
forte aceleração nos embarques da China, possivelmente em antecipação às
mudanças tarifárias prometidas por Trump", afirma o economista Livio
Ribeiro, sócio da BRCG consultoria e pesquisador associado da FGV.
Na avaliação de Ribeiro, ainda não está claro o que
acontecerá com o comércio mundial no segundo mandato de Trump.
"Será necessário para ver qual será o novo normal para
discutir qual o reequilíbrio do fluxo comercial entre os países", diz
Ribeiro. "Isso posto, o fato é que vai sobrar produto. É difícil o mercado
interno chinês absorver no curto prazo, e esse excedente vai vazar para outros
países", avalia.
José Augusto de Castro, presidente da AEB (Associação do
Comércio Exterior do Brasil), tem uma avaliação distinta, e acredita que a
China deve continuar ampliando as exportações de manufaturados ao Brasil em
2025, mas em menor escala.
"Isso porque a capacidade do Brasil de absorver produtos
da China será menor, já que o país crescerá menos. Além disso a China quer
agradar ao Brasil, já que precisa de grandes parceiros no mundo em momento de
guerra comercial com os Estados Unidos", afirma.
Por Bahia Notícias