Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil


A taxa de evasão entre a primeira e a segunda dose da vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) ultrapassa os 50% em 14 estados brasileiros, entre eles Acre, Pará, Amapá, Maranhão e Mato Grosso do Sul, o que compromete a efetividade da imunização e aumenta o risco de reintrodução de doenças controladas.
 

O abandono também afeta vacinas como a pneumocócica e a rotavírus, o que dificulta o cumprimento das metas mesmo onde as primeiras doses tiveram boa cobertura.
 

Esses são alguns dos achados do Anuário VacinaBR 2025, elaborado pelo IQC (Instituto Questão de Ciência) com apoio da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) e parceria do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), lançado nesta terça (17).
 

O relatório analisa doses aplicadas, taxa de abandono e cobertura da vacinação infantil e da vacina HPV para adolescentes, a partir do cruzamento de bancos públicos de vacinação com dados populacionais e de nascidos vivos. A proposta é dar transparência e acessibilidade a essas informações.
 

As disparidades regionais e municipais ainda preocupam muito, segundo o documento. Mesmo quando a média estadual é satisfatória, há uma variação grande entre os municípios, que apresentam coberturas vacinais muito diferentes ainda que sejam vizinhos.
 

"Se a gente pega municípios do Brasil por taxa de sucesso [da tríplice vira], só um punhadinho está com a cobertura adequada. E estamos vendo surtos de sarampo na América do Norte e casos ressurgindo por aqui", diz Paulo Almeida, diretor executivo do IQC e coordenador do relatório.
 

Neste ano, o Brasil voltou a apresentar casos de sarampo autóctones (com transmissão no país), após quase três anos sem registros. Em março, foram notificados dois casos em São João de Meriti, no Rio de Janeiro. Em abril, São Paulo registrou o seu primeiro caso autóctone.
 

De acordo com análise uma epidemiológica que integra o anuário, as tentativas de contenção do sarampo por meio de campanhas pontuais ou nacional nos últimos anos em geral não obtiveram adequada adesão da população e é fundamental desenvolver estratégias locais para resgate dos não vacinados.
 

Entre as ações sugeridas estão horário estendido de vacinação, abertura de postos de imunização nos finais de semana, vacinação casa a casa em localidades de difícil acesso e postos volante em áreas desassistidas de postos de vacinação.
 

Segundo Paulo Almeida, em conversas com gestores municipais e estaduais foi observado que o problema muitas vezes está na falta de ferramentas de diagnóstico da situação vacinal. "Falta orçamento, falta muita coisa."
 

Ele afirma que parte do interesse na construção da plataforma VacinaBR foi agregar esse dados compilados. "Pode permitir que gestores consigam ter um horizonte de onde investigar e entender qual imunizante está em condição pior."
 

Almeida diz que a proposta do anuário é fazer o que o Atlas da Violência faz na segurança pública. "Levantar dados, dar clareza e disponibilidade. E garantir para que não haja competição com o Ministério da Saúde em relação a isso."
 

O estudo considera dados entre 2000 e 2023. A partir de 2015, o país apresentou uma queda contínua e generalizada nas coberturas vacinais infantis, intensificada em alguns casos após a pandemia de Covid.
 

O relatório mostra que, em termos populacionais, apesar da recuperação observada em 2023, 80% ou mais da população brasileira ainda vivia em municípios que não atingiram as metas de cobertura vacinal para a maioria das vacinas analisadas individualmente.
 

Em nota, o Ministério da Saúde diz que reverteu a tendência de queda nas coberturas vacinais após quase uma década de retrocesso. Afirma que, em 2023 e em 2024, 13 das 16 vacinas recomendadas para o público infantil apresentaram aumento de cobertura. A tríplice viral, segundo a pasta, ultrapassou a meta de 95% de cobertura nacional.
 

"Em 2024, o Brasil saiu da lista dos 20 países com mais crianças não vacinadas no mundo (zero-dose) -até 2022, o país ocupava o 7º lugar no ranking mundial. Além disso, recebeu a recertificação de país livre do sarampo, conquista possível graças ao avanço da vacinação."
 

De acordo com o ministério, os resultados alcançados se devem ao fortalecimento do PNI (Programa Nacional de Imunizações) a partir de 2023, ao enfrentamento ao negacionismo, à retomada das grandes mobilizações nacionais, como o Dia D de Vacinação, e a vacinação nas escolas, além da garantia do abastecimento de imunizantes em todo o país.
 

A pasta afirma também que, para incentivar a vacinação nos estados e municípios, destinou um repasse extra de R$ 150 milhões por ano para fortalecer as ações regionais, adaptadas às realidades locais.
 

Um estudo da CNM (Confederação Nacional de Municípios) realizado no mês passado mostrou, porém, que o país segue com um problema de desabastecimento de imunizantes: 33,7% dos 1.490 municípios brasileiros pesquisados alegam enfrentar falta de vacinas.
 

Segundo Paulo Almeida, os dados de vacinação de 2024 não foram incluídos no relatório porque houve conflito de informações de doses aplicadas nas bases de dados do Ministério da Saúde e não haveria tempo hábil para ajustá-las até o fechamento do anuário.
 

"De fato existe um retrato melhor em 2024 do que em 2023, mas a gente continua com uma situação muito complicada nos rincões do Brasil em relação à taxa de cobertura e de pessoas que não tomam todas as doses", afirma.
 

Ele explica que, a partir da ferramenta, será possível entender um pouco mais a dinâmica desses municípios, o que possibilitará diferentes estratégias de enfrentamento.
 

Em outra análise que integra o anuário, a enfermeira sanitarista Antonia Maria da Silva Teixeira diz que o cenário desafiador para a vacinação infantil é evidenciado por mecanismos de avaliação internos do próprio governo federal.
 

Ela cita o Programa de Qualificação das Ações de Vigilância em Saúde, que oferece incentivos financeiros aos entes federativos por objetivos atingidos. Em 2023, menos de um terço dos municípios (32%) tinha atingido o índice de 95% de cobertura de quatro vacinas para crianças com menos de um ano de idade: pentavalente (terceira dose), poliomielite (terceira dose), pneumocócica 10-valente (segunda dose), e, com um ano, a tríplice viral (primeira dose).
 

Para Luciana Phebo, chefe de saúde do Unicef no Brasil, após anos de queda na imunização infantil, o país tem avançado na retomada da cobertura vacinal, mas há desigualdades regionais e estruturais que precisam ser enfrentadas. "Ter um instrumento como esse é essencial para acompanhar os avanços alcançados e para embasar a construção de políticas públicas de imunização cada vez mais eficazes."

 

Por Bahia Notícias