
Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil / Reprodução
O presidente do INSS (Instituto Nacional do Seguro
Social), Gilberto Waller Júnior, disse à Folha que chegou para fazer um
saneamento no órgão e antecipa que fará uma revisão dos processos de concessão
de todos os benefícios pagos pelo órgão. "A gente precisa olhar começo,
meio e fim."
Waller Júnior diz que, a partir de agora, as nomeações
de coordenadores para a autarquia serão apenas de técnicos. Segundo ele, a
mando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Estamos comprando briga
com Deus e o mundo. Quando você bloqueia consignado, bloqueia pagamento, a
gente não está comprando briga pequena", diz. "Se tiver alguém com
algum problema, alguma suspeita, alguém por indicação política, é o momento
adequado para fazer esse saneamento."
Sobre o empréstimo do consignado via INSS, declarou
que a ideia é fazer um grande debate sobre a sua continuidade, mas admite que
pelo valor que o órgão recebe dos bancos hoje, é melhor que a modalidade acabe.
"Para receber R$ 117 milhões por ano e ter toda hora dizendo que a fraude
do consignado é do INSS? É melhor acabar. O INSS não faz parte dessa cadeia de
empréstimo."
Segundo ele, a Justiça avalia o bloqueio de R$ 2,5
bilhões de bens das associações envolvidas no escândalo. O governo vai pedir ao
Judiciário para fazer a venda antecipada desses bens para ressarcir às vítimas
das fraudes.
*
*Folha - Está um clima muito ruim no INSS. O que se
ouve é que os "nervos estão à flor da pele".*
*Gilberto Waller Júnior -* Creio que o clima seja
péssimo mesmo. O INSS tem que ser o lugar em que o segurado se sinta em casa e
não nas páginas policiais, com operação da PF, escândalo, propina, mala de
dinheiro, dirigentes com milhões de reais na conta. Estamos no olho do furacão.
Ao mesmo tempo em que há uma mudança de gestão, precisamos dar uma resposta
rápida para a sociedade.
*Folha - Existe um processo de descentralizar o
instituto?*
*Gilberto Waller Júnior -* Na primeira conversa que
tive com o ministro Wolney Queiroz [da Previdência] falei da dificuldade que o
INSS tinha de nomear, exonerar, de contratar. Na gestão anterior, o INSS não
podia nomear ou exonerar um cargo mais simples da sua estrutura. Tudo tinha que
passar pelo crivo da Previdência. Isso trouxe um atraso enorme aqui para mudar
a equipe.
Ele já delegou em portaria ao presidente do INSS a
nomeação para cargos de até coordenador geral. Não combina com uma autarquia
com o tamanho do INSS ficar dependendo de um crivo ministerial para nomear o
seu chefe de agência, seu gerente executivo, seu chefe de serviço. Autarquias
têm que ser dirigidas por técnicos. A partir do momento que se coloca um crivo
de ministério para escolher quais são os coordenadores, chefes, você fragiliza
a autonomia da autarquia.
*Folha - Abre espaço para nomeações políticas, seria
isso?*
*Gilberto Waller Júnior -* Quem está mais próximo sabe
aquele técnico que presta melhor serviço ou não, se a pessoa é adequada para
aquele cargo. Não estou aqui falando sobre questões políticas, mas cada vez que
você sobe mais o nível para a escolha daquele cargo, mais difícil é para o
ministro saber se aquela pessoa é adequada ou não para ser chefe de agência.
*Folha - O INSS tem cargos muito técnicos ocupados por
indicações políticas?*
*Gilberto Waller Júnior -* Eu não sei. O que o
presidente Lula me falou foi: 'Você tem carta branca para sanear o INSS, para
colocar os técnicos, as pessoas mais adequadas'. As nomeações e exonerações que
estou fazendo, eu não pergunto de quem que ele foi indicado, quem o mantém ali.
Simplesmente estão sendo exonerados e nomeados novos técnicos. Essa pergunta de
quem indicou, quem te assegura, não é feita.
Eu escolhi os novos diretores e falei: ‘eu não vou
mexer nos seus coordenadores, você é responsável pela escolha e o critério tem
que ser único, exclusivamente técnico. Agora, se der um problema em alguma
política pública, eu vou cobrar pessoalmente de você'. Se tiver alguém com
algum problema, alguma suspeita, alguém por indicação política, é o momento
adequado para fazer esse saneamento.
*Folha - Os acordos associativos aumentaram na
pandemia, em 2019. Ficou mais fácil fraudar?*
*Gilberto Waller Júnior -* Menos controle presencial e
mais dependência eletrônica. Encontraram ali uma brecha para uma grande fraude.
Alguns dos atores que estavam na fraude na pandemia se encontram na fraude
agora.
*Folha - A ação da AGU contra 12 entidades que seriam
o núcleo da fraude excluiu várias associações que estão na investigação. A
Contag, a Conafer, o Sindnapi. Por que isso aconteceu?*
*Gilberto Waller Júnior -* Tem responsabilização de
pessoas físicas, dos nossos agentes públicos e dos sócios. Mas as empresas que
cometem corrupção respondem a um processo específico previsto na lei
anticorrupção, quando paga propina ou é fantasma.
Todas as 12 pagaram propina ou não tinham condições
nenhuma de funcionar. O único objetivo era fraudar. As outras empresas que
estão no relatório até hoje não tem comprovação. As investigações persistem. Se
uma ou outra aparecer com pagamento de propina, como fantasma, sem condições de
funcionamento, provavelmente —e eu falo provavelmente porque a CGU avocou para
poder melhor apurar— vai abrir processo contra as demais. A situação é
diferente. Irregularidades existem de todas que estão na operação. Mas o que
temos hoje para abrir processo são aquelas que a PF detectou.
*Folha - Numa delas, o irmão do presidente Lula é um
dirigente. Outra é uma entidade da área rural, que é base de sustentação do PT.
Pareceu algo arbitrário e não houve uma explicação...*
*Gilberto Waller Júnior -* Essa situação foi decidida
tecnicamente. Eu não tenho como enquadrar na lei anticorrupção outras condutas.
Não tenho, neste momento, elementos suficientes.
*Folha - O presidente da Câmara falou que pode adotar
medidas legislativas. Ele sugere, inclusive, acabar com o INSS intermediando os
descontos associativos. É o caminho?*
*Gilberto Waller Júnior -* Cabe ao INSS ser essa ponte
numa relação privada? É uma discussão a ser feita. Se vale o modelo de uma
relação privada, que emite boletos, e desconta no seu cartão de crédito, e não
cabe ao INSS interferir. Ou o INSS precisa ser um garantidor, uma primeira
porta para barrar a fraude. Vejo pontos positivos dos dois lados. Não fechei
ainda o entendimento. Tem horas que eu falo: nosso segurado precisa de uma
proteção maior. Se o INSS não foi capaz de fazer essa proteção, imagina o nosso
segurado, lá na ponta, sendo procurado por alguém com um papelzinho. Por outro
lado, o INSS está manchando a sua imagem, sendo manchete numa relação
desnecessária. O INSS é simplesmente um repassador de informação. Alguém que só
tem custo e prejuízo de imagem.
*Folha - O consignado parece ser um problema que está
contratado, que envolve muito mais dinheiro? Pode chegar a 40% do valor do
benefício.*
*Gilberto Waller Júnior -* É uma questão difícil e o
INSS não tem essa natureza. O INSS tem por função conceder e manter benefícios
previdenciários. Ele não é uma instituição financeira. Ele não faz empréstimos.
Verificamos vulnerabilidades, que a gente permite que a instituição financeira
não tão proba, correspondentes bancários, tenham acesso ao nosso aposentado sem
autorização dele. Os benefícios concedidos a partir de 2024 para serem
desbloqueados, precisavam de reconhecimento facial. Mas deixaram abertos todos
os demais benefícios. Qual a razão? Não sei. Então a gente colocou o
desbloqueio e só reabre se ele autorizar de maneira facial. Vamos criar uma
frente ampla para discutir o futuro do consignado dos aposentados e
pensionistas.
*Folha - Mas acha melhor acabar com o consignado via
INSS?*
*Gilberto Waller Júnior -* Ainda estamos pensando.
Pelo custo hoje, é melhor acabar. Para receber R$ 117 milhões por ano e ter
toda hora dizendo que a fraude do consignado é do INSS? É melhor acabar. O INSS
não faz parte dessa cadeia de empréstimo. O INSS não lucra. O valor do contrato
é muito baixo.
*Folha - A decisão de que os aposentados serão
ressarcidos já foi tomada com recursos do Tesouro...*
*Gilberto Waller Júnior -* Ele [o presidente] falou
primeiramente para esgotar todos os meios para conseguir o ressarcimento por
meio de ação judicial para responsabilizar.
*Folha - A Justiça é lenta no Brasil...*
*Gilberto Waller Júnior -* Há R$ 2,5 bilhões que já
estão pedidos para serem bloqueados para garantir reparação. Precisamos de
autorização judicial para poder utilizar o dinheiro, pedir para poder vender os
bens. Pelo pacote anticrime, há a possibilidade de o Judiciário autorizar que o
governo faça a venda antecipada. E depois, se reverter a decisão de condenação,
o governo ressarce pela utilização daquele dinheiro. Ao invés daquele esquema
Jorgina [Jorgina de Freitas, fraudadora do INSS], que a gente ficava
administrando apartamento, loja. Agora, a gente precisa saber o tamanho, o
quanto, quantas pessoas foram lesadas, qual o valor real do prejuízo. Eu tenho
um teto de R$ 5,9 bilhões. Nove milhões de pessoas tiveram desconto associativo
[desde março de 2020]. Quanto efetivamente eu preciso de recurso para ressarcir
os nossos aposentados e pensionistas?
*Folha - Na terça-feira, qual a expectativa do senhor?
De agências cheias?*
*Gilberto Waller Júnior -* A gente não colocou
atendimento em agência. A gente não tem agências abertas em todos os locais do
nosso país. Hoje, 70% das nossas agências não têm atendimento ao público. Os
nossos atendimentos são agendados pela Central 135 e o Meu INSS. Nós estamos
pensando em outro canal para poder atender a população que quer o contato
presencial, mas eu não posso divulgar ainda se eu não tiver certeza que essa
vai estar preparado e pronto para receber essa pessoa.
*Folha - Correios? Caixa?*
*Gilberto Waller Júnior -* Não sei. Olha quantas
instituições de nome, renomadas. Podemos juntar todo mundo.
*Folha - Isso pode gerar fila de aposentados.*
*Gilberto Waller Júnior -* Teve uma política de
deterioração de atendimento ao nosso beneficiário. O INSS por muito tempo teve
uma Diretoria de Benefício e uma Diretoria de Atendimento, que era preocupada
em como atender a pessoa, de como verificar, monitorar a fila. Não sei qual a
razão, entenderam por bem que essa Diretoria de Atendimento teria que ser
extinta e ser criada uma Diretoria de Tecnologia da Informação. Agora a
Diretoria de Atendimento voltará. Na verdade, a TI tem que ser uma das formas de
atendimento, um meio, e não o fim. Eu tenho que lembrar que a minha população
tem uma característica própria
*Folha - Como ficam as entidades que são idôneas e que
tiveram o desconto associativo suspenso?*
*Gilberto Waller Júnior -* Está proibido a cobrança em
folha. Nada impede que essa associação emita boleto e o associado pague. Eu não
conversei com nenhuma associação. Até saber quem é quem, eu não vou receber
nenhuma associação.
*Folha - Esse escândalo mostra que os controles
precisam ser alterados. O que o sr. vai mudar nas regras de fiscalização e
controle sobre a gestão da folha, que soma mais de R$ 1 trilhão por ano?*
*Gilberto Waller Júnior -* Começamos, primeiramente, a
passar um pente-fino no que é descontado diretamente no contracheque. E a gente
verificou três formas de desconto. A primeira, associativa, fizemos bloqueio.
Vamos resolver o passado. O consignado, o que a gente podia fazer de imediato,
a gente já fez e vai fazer mais. E a terceira foi do programa Meu INSS Vale +,
que é um programa, mas até agora só a PicPay ofertou, mas efetivamente estava
aberto a qualquer instituição.
A Febraban foi a primeira a denunciar [problemas no
Meu INSS Vale +], mas temos inúmeras denúncias de cidadão, inclusive. Eu tenho
sérias dúvidas sobre a sua legalidade. Fazer desconto em folha, sem autorização
legislativa. O Meu INSS Vale + foi criado por uma resolução do então presidente
do INSS num valor de R$ 450 reais numa possibilidade de superendividamento,
porque não afeta a margem consignável.
*Folha - Por que o senhor acha que o então presidente
do INSS, Alessandro Stefanutto, adotou a medida?*
*Gilberto Waller Júnior -* Não sei. Os órgãos de
controle estão apurando. Isso ocorreu na véspera do Carnaval. O programa PicPay
foi criado inicialmente com valor de R$ 100, que era um adiantamento. E, na
véspera do Carnaval, passou para R$ 450. Em um mês a folha era R$ 280 milhões
para a gente descontar dos aposentados. A gente não descontou. Avisamos: não
desconto se você não provar que está correto.
A gente está agindo, a gente está fechando, a gente
está sentando com órgãos de controle o tempo inteiro e com a nossa área
jurídica verificando o que é risco jurídico, o que é risco para o nosso
segurado. Estamos comprando briga com Deus e o mundo. Quando você bloqueia
consignado, bloqueia pagamento, a gente não está comprando briga pequena.
Tudo que precisamos assinar agora verificamos se tem
alguma recomendação do TCU, alguma recomendação do MPF e, principalmente,
alguma recomendação da CGU. Para termos várias visões dentro de todos os
programas do INSS e verificar onde a gente vai atuar. BPC, seguro defeso, temos
que mudar todos os nossos procedimentos.
*Folha - Uma faxina?*
*Gilberto Waller Júnior -* A gente está revisitando
todos os processos. Não, eu não quero revisão de custo com aposentado. Eu não
quero revisão de gasto com aposentadoria. Eu quero que quem tem direito receba
o que tem direito.
E quando a gente fala em revisão de processos, não uma
revisão dos BPCs já concedidos, seguro defeso, revisão de benefícios por
incapacidade, a gente precisa olhar começo, meio e fim de todos.
Não só a concessão do benefício, mas de todos os
requisitos. O que a gente pode desburocratizar? O que pode ser feito para o
cidadão? O que eu posso fazer e ter mais garantia de que quem precisa, quem faz
jus, receba. Quem não faça jus, não receba. É esse o nosso olhar hoje. É
revisitar todos os processos de concessão desses benefícios de manutenção.
*Folha - E a fila das concessões?*
*Gilberto Waller Júnior -* Está altíssima. Tem fila
que é desnecessária. A gente em breve vai lançar um programa de minimizar os
problemas das filas e pensar numa solução ao longo prazo. Essa Diretoria de
Atendimento vai ter essa função: diminuir fila e verificar como a gente pode
atender melhor o nosso cidadão. Eu não quero mais o segurado sendo tratado como
número.
RAIO-X
Gilberto Waller Junior, 51
Nascido em Taubaté (SP), é formado em ciências
jurídicas e sociais pela Universidade de Taubaté. É especialista no combate à
lavagem dinheiro e corrupção. Procurador Federal desde 1998, foi
corregedor-geral da União entre 2019 e 2023. Anteriormente, foi ouvidor-geral
da União, de 2016 a 2019.
Por Bahia Notícias