
Foto: André Valentim / Reprodução Agência Brasil
Em 2025, o Brasil terá um
déficit de 532 mil profissionais em diferentes áreas tecnológicas. Esse número
é influenciado pela transição energética, que requer habilidades para lidar com
a descarbonização da indústria e a mobilidade eletrificada, por exemplo.
A projeção, que faz parte de uma
pesquisa da Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e
Comunicação e de Tecnologias Digitais), tem sido usada pela Ford para explicar
seus investimentos em formação de mão de obra local.
A empresa norte-americana não
está sozinha nesta empreitada. Montadoras, fornecedores e startups vêm
desenvolvendo programas de treinamento para, além de capacitar jovens
trabalhadores, atrair talentos.
A Gi Group Holding,
multinacional com foco em estudos sobre mercado de trabalho, entrevistou 6.700
profissionais da indústria automotiva em 11 países. O objetivo era saber quais
são as competências mais cobiçadas por suas empresas.
No Brasil, 53% dos ouvidos
afirmaram desejar mão de obra que saiba lidar com tecnologias de veículos
elétricos. A média global ficou em 35,1%. Os conhecimentos para trabalhar com
IA (inteligência artificial) e machine learning foram mencionados por 40% dos
entrevistados no país -novamente acima da média (33,6%).
"O déficit já era algo
esperado, mas acabou sendo potencializado devido à modernização dos veículos,
que receberam itens de segurança e sistemas autônomos", diz Djansen
Alexandre Dias, gerente da divisão de indústria na Gi Group Holding.
"Esse movimento já vinha
acontecendo há algum tempo, e calhou de, no mesmo momento, ter início a
eletrificação dos veículos em meio à transição energética."
Para as empresas, o momento é de
reconquista. "O setor automotivo vive esse desafio e compete com fintechs
e startups". Afirma Dias.
"Além disso, a pandemia
acelerou o processo de globalização da mão de obra especializada por meio do
trabalho remoto. A consequência é que o Brasil não é o mais atrativo em termos
de salário, então os profissionais moram aqui e trabalham para outros
países."
Daí vem a importância de as
fabricantes oferecerem programas de formação. Além de mostrarem que a demanda
por mão de obra, mesmo no nível técnico, não se limita às linhas de produção
tradicionais.
"Existe essa concorrência
com startups, e às vezes nem há como competir, temos a questão da moeda. Mas o
que nós fazemos é demonstrar que não somos somente uma montadora de veículos,
somos também uma desenvolvedora de veículos", diz Márcio Tonani,
vice-presidente sênior dos centros técnicos de engenharia do grupo Stellantis
para a América do Sul.
O executivo afirma que a
formação de profissionais é uma característica das montadoras, e que a
eletrificação, embora não seja exatamente uma novidade, traz outros pontos que
exigem capacitação.
"A Indústria evolui
tecnologicamente com o carro elétrico, embora esse automóvel seja até mais
velho que outros. Mas há outras etapas do desenvolvimento, que envolvem redução
de peso, baterias, pneus e aerodinâmica."
A empresa tem parcerias com
instituições de ensino superior e técnico em diferentes estados, como a UFPE
(Universidade Federal de Pernambuco), a Unicamp (Universidade de Campinas) e o
CIT Senai (Centro de Inovação e Tecnologia, em Minas Gerais).
"Promovemos seminários para
despertar o interesse sobre o quanto a indústria automotiva é tecnológica.
Ministramos cursos dentro das grandes faculdades de engenharia e parcerias vão
sendo criadas, como as desenvolvidas com a Bosch e a ZF", afirma Tonani,
citando dois dos principais fornecedores de componentes eletrônicos do setor.
Portanto, a mão de obra que
começa a ser formada nas faculdades e nos cursos técnicos não é voltada
exclusivamente para as montadoras. No caso da Ford, por exemplo, os jovens
capacitados no programa Enter, lançado em 2023, são direcionados para o mercado
de trabalho por meio da parceria com o Senai-SP.
"É uma grande oportunidade
para nós, temos pessoas que foram treinadas e hoje são nossas estagiárias.
Ficamos de olho nos talentos, mas não é só para a Ford", diz Rogelio
Golfarb, vice-presidente da montadora na América do Sul.
Em seu primeiro ano, o programa
Ford Enter ofereceu 200 vagas na área de tecnologia da informação e teve mais
de 9.000 inscritos. A montadora afirma que cerca de 50% dos egressos das duas
primeiras turmas já foram inseridos no mercado de trabalho, e a maioria seguiu
com os estudos, segundo a empresa.
Embora não tenha mais fábricas
de automóveis instaladas no Brasil, a montadora americana mantém centros de
pesquisa e desenvolvimento globais em São Paulo e na Bahia, além de empregar
cerca de 1.500 engenheiros no país.
O público-alvo da Ford é formado
por jovens de baixa renda que têm dificuldade em acessar os cursos de formação
que envolvem as habilidades mais desejadas pela indústria atualmente.
"As tendências de
contratações indicam que, nos próximos cinco anos, haverá
maior demanda no mercado
automotivo brasileiro por especialistas em tecnologia da informação e
engenheiros automotivos, ambos empatados com 47%, seguidos por designers
automotivos (34%)", diz o estudo divulgado pelo Gi Group Holding.
Apesar de os dados da pesquisa
mostrarem um cenário positivo quando analisados como oportunidades de emprego,
as informações divulgadas pela Ford ao apresentar o programa Enter são
preocupantes.
Com base em uma pesquisa do
ManpowerGroup, o material preparado pela empresa mostrou que o Brasil está
entre os dez países com maior dificuldade em preencher vagas qualificadas,
principalmente no segmento de tecnologia da informação.
A Ford cita ainda um estudo da
Amcham publicado em dezembro de 2023, que entrevistou 153 empresas. Dessas, 97%
relataram dificuldades para contratar profissionais capacitados na área de
tecnologia, sendo que 37% disseram ter muita dificuldade.
Ainda segundo esse levantamento,
25% das companhias relataram que a falta de capacitação é a maior dificuldade
para contratação de profissionais em áreas relacionadas a tecnologias.
Com a transição energética em
curso, jovens profissionais que possuam as habilidades demandadas tendem a ser
aproveitados em vagas que, antes, estariam nas operações fabris. Mas para que
isso ocorra, é necessário que a formação e o parque tecnológico da indústria
nacional evoluam.
"Vemos muitos estrangeiros
nas grandes empresas do Brasil. Por quê? Por falta de formação", diz
Valter Pieracciani, sócio-fundador da empresa especializada em gestão que leva
o seu sobrenome.
"O programa Mover
[Mobilidade Verde e Sustentabilidade] talvez promova a relocalização de linhas
de produção e preserve empregos, mas não dá para ter essa relocalização com
baixa produtividade. Em vez de sermos produtivos em enormes volumes, podemos
ser competitivos em pequenos volumes e desenvolvendo tecnologias a etanol, por
exemplo", afirma o especialista.
"O cenário de 2035 não é de
eletrificação plena, e não seremos campeões de carros elétricos no mundo.
Teremos uma combinação de várias soluções juntas, como o hidrogênio verde, o
biodiesel e o carro híbrido flex. Eu apostaria no que fazemos bem, e se pelo
menos algumas das novas tecnologias não forem brasileiras, não teremos
empregos."
Para Francisco Tripodi,
sócio-diretor da Pieracciani, há ações de capacitação elencadas no programa
Mover, que estão ligadas, principalmente, ao setor de autopeças.
"Estão terceirizando para
as empresas beneficiárias do programa, mas acredito que seria mais estruturante
que [os incentivos] fossem direcionados também para as instituições de ensino
que promovem a formação [dos profissionais]", afirma Tripodi.
Segundo o Mdic (Ministério do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), a capacitação de mão de obra
-por meio de treinamentos, cursos profissionalizantes, graduação e
pós-graduação- está incluída nas etapas de pesquisa e desenvolvimento elegíveis
para a apuração de créditos financeiros.
Na regulamentação do Mover,
publicada no dia 26 de março, o ministério destaca programas de residência
tecnológica e parcerias entre empresas e instituições de ensino de diferentes
níveis (com inserção no mercado de trabalho por meio de estágio, por exemplo)
como parte das atividades que podem ser consideradas para concessão de
benefícios tributários.
Por Bahia
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