Foto: Ricardo Teles / Divulgação / Vale
O governo de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) estuda mudar o arcabouço legal da mineração para forçar empresas do
setor a explorarem, de fato, suas unidades produtivas. O diagnóstico é que há
milhares de minas paradas pelo país e que a medida em estudo poderia movimentar
um volume de recursos na economia nacional comparável aos investimentos anuais
da Petrobras.
O assunto é de grande interesse
de Lula, que acusa o setor de não explorar as minas e de apenas se aproveitar
da venda de direitos sobre as unidades.
De acordo com números levantados
pelo governo e obtidos pela Folha de S.Paulo, 25% das mais de 14 mil concessões
de lavra concedidas às empresas estão paralisadas, pela falta de início da
exploração ou por suspensão das atividades.
A movimentação do governo pelas
novas regras tem como um dos alvos principais a brasileira Vale, mas empresas
como a australiana BHP Billiton e a anglo-australiana Rio Tinto também são
citadas nas conversas, de acordo com relatos ouvidos pela Folha de S.Paulo.
"O que nós queremos é que a
Vale tenha mais responsabilidade. [Há uma] quantidade de minas na mão da Vale
que ela não explora há mais de 30 anos e fica funcionando como se fosse dona e
vendendo. A Vale, ultimamente, está vendendo mais ativo do que produzindo
minério de ferro", afirmou Lula há menos de dois meses ao jornalista
Kennedy Alencar, sem dar detalhes.
O estudo sobre a situação da
exploração mineral no país é feito pelo governo Lula desde o ano passado. As
análises envolvem os ministérios comandados por Fernando Haddad (Fazenda) e
Alexandre Silveira (Minas e Energia) e apontam que grande parte das minas entra
em cenário de paralisia antes mesmo do começo da exploração.
Segundo o levantamento do
governo, as unidades com início de atividade adiado estão nessa situação pelo
tempo médio de dez anos; as que estão com atividades suspensas, pelo tempo
médio de 12 anos.
Para mudar a situação, o governo
avalia endurecer as regras, o que pode envolver mudanças na legislação. Mas
também estuda uma saída que não precise de alterações legais, já que há uma
visão de que o arcabouço de hoje contém instrumentos para a devida exploração.
Entre as primeiras alternativas
analisadas, estão ajustes para uma rigidez maior nos prazos para empresas
prorrogarem a fase de pesquisa (que antecede a exploração) ou para suspenderem
temporariamente as atividades. Caso esses limites sejam descumpridos, há a
possibilidade de partir de maneira mais firme para a extinção do direito
minerário da unidade.
Outro ponto estudado é elevar a
chamada taxa anual por hectare (a TAH) -valor que a empresa paga durante a
primeira fase do processo, a autorização de pesquisa, até a entrega de um
relatório final sobre a viabilidade da unidade. O aumento dos valores, que
podem inclusive ser progressivos com o tempo, desestimularia o que é visto como
uma retenção proposital e especulativa das áreas.
Na avaliação do governo, a
situação de paralisia pode ainda contrariar uma série de dispositivos legais
que buscam preservar a livre concorrência.
A legislação prevê infração à
ordem econômica quando, por exemplo, empresas agem para impedir que novas
empresas acessem o mercado, criam dificuldade ao funcionamento de concorrentes
e cessem total ou parcialmente atividades sem justa causa comprovada.
Além disso, há a visão de que o
cenário prejudica a arrecadação para os cofres públicos. Isso porque a
Constituição assegura à União, aos estados e aos municípios uma parte dos
recursos obtidos com a exploração de recursos minerais (como acontece com os royalties
do petróleo).
O governo estuda a revisão do
arcabouço legal ao mesmo tempo em que defende a mineração como uma parte
fundamental da transição energética. Há minerais essenciais demandados em
grande escala atualmente para a fabricação de componentes voltados à economia
de baixo carbono, como as baterias.
O tema tem como pano de fundo
também a intenção de Lula de aquecer a economia brasileira, tema que passou a
tomar ainda mais a atenção do mandatário em meio à queda recente de
popularidade identificada nas pesquisas de opinião pública.
Para se ter uma ideia do tamanho
do mercado, em 2023 o Brasil comercializou R$ 312 bilhões em minérios --apenas
considerando as 11 principais substâncias metálicas produzidas no território
nacional (como ferro, ouro, cobre, níquel e alumínio).
Também permeia a discussão o
papel da Vale, que Lula quer ver mais ativa na atividade nacional.
Recentemente, ele atuou para emplacar Guido Mantega, seu ex-ministro da
Fazenda, como CEO da companhia -mas não obteve sucesso.
"A Vale tem que saber o
seguinte: não é o Brasil que é da Vale. É a Vale que é do Brasil", afirmou
Lula. "O que nós queremos é ter uma nova política mineral, que esse país
dê força a todas as empresas que querem cuidar dos chamados minerais críticos
[...]. O dado concreto é que o potencial do Brasil tem que ser explorado e a
Vale não pode ter o monopólio", disse o presidente.
Procurada, a Vale afirma que
detém menos de 1% do número total de direitos minerários do Brasil e que o
portfólio dessa carteira no país foi reduzido desde 2005 em 80% após
desinvestimentos, cessões de direito e desistência de áreas.
Segundo a empresa, as concessões
de lavra em situação de início prorrogado ou com lavra suspensa são impactadas
por fatores externos que impedem a produção.
"A Vale é a empresa que
mais investe de forma contínua em pesquisa mineral no país", afirma a
companhia. "Como resultado destes investimentos, a Vale possui ativos
minerais de excelente qualidade que fazem da empresa a maior produtora mineral
do país, arrecadando maior volume de CFEM [contribuição paga aos cofres
públicos pela exploração mineral] do que todos os outros players de mineração
somados", diz a mineradora brasileira.
Já a BHP Brasil informou que
seus direitos minerários "se encontram ainda em fase de pesquisa e que vem
cumprindo rigorosamente com os estudos e pesquisas previstos na legislação
nacional". A Rio Tinto foi procurada, mas não se posicionou.
O QUE DIZ A LEI
O setor é regido principalmente
pelo Código de Mineração (decreto-lei 277/1967) e um decreto que o regulamentou
em 2018 (9.406). O arcabouço diz que, antes de explorar uma mina, o interessado
precisa entrar com o pedido para a chamada pesquisa mineral
AUTORIZAÇÃO DE PESQUISA
Trata-se de uma autorização com
validade de um a três anos anos dada pela ANM (Agência Nacional de Mineração) à
empresa. O prazo pode ser prorrogado por igual período. A empresa precisa
começar a pesquisar em 60 dias (não podendo interromper os trabalhos sem
justificativa por mais de três meses consecutivos)
RELATÓRIO
Os estudos feitos na fase de
pesquisa devem concluir pela viabilidade ou não da lavra e caberá à ANM
avalizar o relatório da empresa. Aprovado o relatório que aponte viabilidade, o
interessado tem um ano para pedir à ANM ou ao Ministério de Minas e Energia a
concessão de lavra, prazo que pode ser prorrogado por um ano
CONCESSÃO DA LAVRA
Quando publicado o decreto de
concessão, os trabalhos para a exploração precisam começar em no máximo seis
meses -e, uma vez iniciados, não podem ser interrompidos por mais de seis meses
consecutivos. A empresa precisa demonstrar à ANM, a cada seis meses, que o
processo ambiental está em curso e que tem adotado medidas para obtenção da
licença
SUSPENSÃO
É possível a empresa pedir
suspensão temporária da lavra a partir de uma solicitação embasada, sendo
necessária inspeção da ANM, que deve fazer um parecer a ser submetido à decisão
do Ministério de Minas e Energia
PENALIDADES
A empresa pode sofrer diferentes
tipos de penalidade caso descumpra obrigações, mas a lei prevê expressamente a
caducidade da autorização de pesquisa ou mesmo da concessão se for
caracterizado o abandono da jazida ou da mina ou se verificado o não cumprimento
de prazos de pesquisa ou lavra mesmo após advertência ou multa