Foto: Coletivo Banquetaço / Divulgação
O forte aumento da massa de
rendimentos do trabalho, mais a recomposição do Bolsa Família e a menor
aceleração de preços dos alimentos tiraram, no ano passado, cerca de 20 milhões
de brasileiros de um quadro de insegurança alimentar moderada ou grave.
Levantamento do Instituto Fome
Zero a partir de dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) e da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, aponta
dois indicadores relacionados à fome: 1) insegurança alimentar moderada, quando
a pessoa não consegue ter três refeições diárias ou não se alimenta o bastante
e; 2) insegurança alimentar grave, quando o indivíduo fica um ou mais dias sem
comer, em situação de fome.
O estudo indica que reduziu-se
de 65 milhões para 45 milhões o total de pessoas em insegurança alimentar
moderada e grave entre o quarto trimestre de 2022 e o mesmo período de 2023.
Entre aqueles exclusivamente em insegurança alimentar grave, a queda foi de 28
milhões para 20 milhões de pessoas.
Tomando-se um período um pouco
mais longo, a partir do primeiro trimestre de 2022, cerca de 13 milhões de
brasileiros deixaram de passar fome, de acordo com a pesquisa.
Segundo José Graziano,
diretor-geral do Instituto Fome Zero, os números da pesquisa são preliminares,
pois o IBGE ainda divulgará a Pnad Contínua completa de 2023 em alguns meses.
"Mas são um bom indicativo do que ocorreu, com dados robustos e que mostram
uma melhora até maior do que a esperada", diz.
Graziano dirigiu a Organização
das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) entre 2012 e 2019 e
coordenou o desenvolvimento do programa Fome Zero, no primeiro mandato de Luiz
Inácio Lula da Silva (PT).
Fator crucial para a diminuição
da insegurança alimentar no ano passado foi o aumento real (acima da inflação)
de 11,7% na massa de rendimentos do trabalho, o maior desde o Plano Real,
segundo cálculos de Marcos Hecksher, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada) com base também na Pnad Contínua do IBGE.
Números de Marcelo Neri, diretor
da FGV Social, estimam que a renda real domiciliar per capita saltou 12,5% em
2023 —considerando o rendimento das famílias dividido pelo total de membros;
novamente com dados da Pnad Contínua. Neri estima que a taxa de pobreza do país
também deve apresentar importante recuo quando puder ser calculada com os dados
da Pnad Contínua completa de 2023.
Por trás do aumento da renda
estiveram gastos bilionários —e seus efeitos multiplicadores— promovidos pelo
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em sua campanha pela reeleição e por Lula com
a PEC da Transição, de R$ 145 bilhões. Houve ainda, no ano passado, a
recomposição do Bolsa Família, que passou a pagar R$ 600 por família (mais R$
150 por criança até 6 anos) e melhora no mercado de trabalho.
Graziano também destaca o
impacto do aumento real do salário mínimo, calculado pelo Ipea em cerca de 4%
acima da inflação em 2023. Em sua opinião, além do aumento do poder de compra
de quem ganha o mínimo —e de 26 milhões de aposentados que recebem o mesmo via
INSS—, o reajuste acaba puxando outros salários para cima, inclusive no setor
informal.
Ele afirma que a redução
continuada dos índices de insegurança alimentar entre 2004 e 2014 no Brasil tem
muito a ver com a política de aumentos reais para o salário mínimo.
José Giacomo Baccarin, outro dos
autores do trabalho do Instituto Fome Zero, destaca a influência positiva que o
comportamento mais benigno dos preços de alimentos exerceram para reduzir a
insegurança alimentar.
"A inflação de alimentos
ficou muito bem caracterizada no Brasil, entre 2007 e 2019, quando o IPCA
variou 103,5% e o IPAB [Índice de Preços de Alimentos e Bebidas] cresceu
155,7%, com médias anuais de 5,6% [IPCA] e 8,0% [IPAB], respectivamente. Dos 13
anos considerados, apenas em 2009 e 2017 o IPCA foi maior que o IPAB’, diz.
Nos últimos quatro anos, o IPCA
subiu 27,3%, e o IPAB, 38,9%. Mas a alta dos preços de alimentos foi mais forte
entre 2020 e 2022; dando uma trégua em 2023. A aceleração menor, por um lado, e
a renda maior, por outro, criaram as condições para a redução da insegurança
alimentar no ano passado.
"Mas o acontecido em 2023
deve ser relativizado. Primeiro porque os preços não caíram, suficientemente,
para voltarem aos níveis de 2019. Segundo, porque não se pode ainda ter certeza
de que uma nova tendência tenha começado, a da deflação de alimentos, pelo
menos enquanto fenômeno de longo prazo", afirma Baccarin.
Por Bahia
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