Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 3 de maio de 2024

Quando assumiu as operações da Refinaria Landulpho Alves (Rlan) em dezembro de 2021, após adquirir o controle da subsidiária da Petrobras e rebatizá-la como Refinaria de Mataripe, a Acelen projetou para o mercado a imagem de uma empresa inovadora, empenhada em reverter a queda de desempenho da unidade, investir alto no avanço da linha de produção e gerar empregos, seguindo o espírito contido no próprio nome da empresa, acrônimo criado a partir de três palavras: aceleração, excelência e energia. Parecia um negócio “das arábias”, no sentido da expressão usado para designar extravagância ou algo extraordinário. Dois anos e quatro meses depois, as ideias não correspondem aos fatos.

Coube a uma denúncia feita pelo Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro), com base em informações reveladas por operários da refinaria, expor os sinais de deficiência de produtividade que colocou em risco o abastecimento de gás de cozinha e combustíveis em toda a Bahia. De acordo com o diretor de Comunicação Social do Sindipetro, Radiovaldo Costa, os trabalhadores da companhia fundada pelo Grupo Mubadala, fundo bilionário que reúne investidores dos Emirados Árabes Unidos e atua em dezenas de países, relataram problemas graves de ordem operacional que, emendou o sindicalista, a direção da empresa tentava omitir.

“Por causa dos problemas operacionais enfrentados na semana retrasada, a Acelen correu o risco de afetar o abastecimento de derivados aqui na Bahia. Depois da nossa denúncia, eles [a companhia] reconheceram publicamente [as falhas]. Já estão conseguindo superar, mas a denúncia que fizemos teve importância, porque pressionou a empresa, que buscava esconder os problemas. Não tivemos falta de produto, mas [o episódio] mostra a falta de compromisso deles”, dispara Costa, ao também criticar a empresa por demitir trabalhadores em massa. De fevereiro até a última segunda-feira (29), calcula o Sindipetro, cerca de 150 colaboradores da refinaria foram cortados. O que, destacou, vem sobrecarregando demais os que ficaram.

Em síntese, o Sindipetro afirmou que a temporada de fortes chuvas sobre o Recôncavo provocou a paralisia e falhas em unidades da refinaria situada em Mataripe, distrito de São Francisco do Conde. Especialmente, a 39, considerada essencial para o chamado craqueamento do petróleo. O perigo de desabastecimento era maior em relação ao gás de cozinha. A ponto da Acelen precisar ordenar que uma embarcação carregada com o produto retornasse à Bahia, como forma de assegurar o suprimento interno.

O perigo de desabastecimento não é cena inédita. Em 2022, uma série de manutenções na planta da Acelen acarretou queda no volume de botijões com o gás de cozinha. Embora estivesse longe do colapso no abastecimento, empresas que atuam no varejo tiveram dificuldades para suprir a demanda da clientela nos níveis considerados normais. À época, a companhia atribuiu a redução da oferta à necessidade de redimensionar os prazos por questões de segurança operacional.

Contactada pelo Jornal Metropole, a Acelen não informou se as falhas já foram sanadas até o fechamento desta edição. O único posicionamento público veio através de nota à imprensa, na qual a companhia reconheceu a existência de problemas operacionais e informou que havia adotado medidas emergenciais para garantir a continuidade no fornecimento de gás de cozinha e combustíveis. Garantiu ainda empenho para restabelecer a normalidade em dez dias e anunciou que tinha iniciado o uso de tecnologias de inteligência artificial para aperfeiçoar o diagnóstico e correção de problemas.

Política de preços

Entre as principais críticas do Sindipetro à Acelen, a política de preços adotada pela empresa ocupa lugar de destaque. Basicamente, a companhia estabelece os valores de acordo com o mercado internacional, acompanhando o movimento global do barril de petróleo e as constantes oscilações no preço do produto, enquanto a Petrobras tem mecanismos próprios para definir o quanto cobra por litro de diesel e gasolina distribuído pela estatal.

“O Mubadala tem uma política de preços propriamente dele. Hoje, a Bahia possui a gasolina mais cara do Brasil, em função de uma política de preços que só visa o lucro. Obviamente, que a Petrobras também busca o lucro, mas ela acaba tendo um papel social, de responsabilidade com o desenvolvimento da Bahia e do Brasil”, acrescentou Radiovaldo. Por efeito direto, os reajustes no preço dos combustíveis se tornaram corriqueiros. O último deles, na semana passada, elevou a gasolina em 5,1%, mas na prática, fez com o preço saltasse, em média, aproximadamente R$ 1 por litro.

Para o presidente do sindicato que representa os donos de postos de combustíveis na Bahia (Sindicombustíveis), Walter Tannus, essa é a única ressalva do segmento à atuação do Grupo Mubadala na Bahia. “Para o dia a dia do nosso mercado, esse descompasso entre a Acelen e a Petrobras é muito ruim, porque as oscilações de preços, muitas vezes, a maior, nos impõe dificuldades. Fora isso, a companhia tem uma política que consideramos extremamente benéfica, porque ajuda a desenvolver nosso estado, a gerar emprego e renda”, destaca Tannus. Para ele, a possibilidade de desabastecimento não preocupa. “Quem regula isso é a ANP (Agência Nacional do Petróleo), e ela não emitiu nenhum alerta nesse sentido. Fora que temos hoje estoques reguladores que nos dão segurança”, conclui.

Foto: Divulgação/Agência Petrobras

Problemas coincidem com possível retomada de refinaria pela Petrobras

As falhas na operação da Refinaria de Mataripe ocorrem em compasso simultâneo às investidas da Petrobras para reassumir o controle sobre a antiga Rlan. Desde o fim do ano passado, a estatal negocia a compra. Em março, o presidente da petroleira, Jean Paul Prates, anunciou o início da fase de avaliação sobre a possível compra de uma fatia do negócio, mais conhecida no jargão do mercado como due diligence.

As tratativas incluem ainda negociações para que a Petrobras adquira também participação na biorrefinaria que o Grupo Mubadala está desenvolvendo na Bahia, batizada de Macaúbas, nome de uma palmeira nativa com a qual o fundo árabe planeja produzir biodiesel usando o fruto da planta como matéria-prima até 2026. O acordo, no entanto, inclui os investimentos de US$ 500 milhões já feitos pela Acelen em Mataripe, a compra de um parque solar para gerar energia sustentável na unidade e, claro, R$ 1,8 bilhão usado para adquirir a Rlam durante o governo Jair Bolsonaro (PL).

Primeira construída no país e segunda maior do Brasil, com capacidade para processar até 333 mil barris de petróleo por dia, a Refinaria de Mataripe voltou a entrar no radar do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com a intenção da Petrobras de retomar suas atividades no refino, gradualmente abandonadas desde o início da gestão passada. A questão, agora, é superar entraves, sobretudo, em relação a valores e o tipo de participação que a estatal pretende ter no negócio.

“O presidente da Petrobras confirmou não só para a gente, mas até para a sociedade em alguns anúncios formais, que de fato estão ocorrendo alguns impedimentos entre a empresa e o Mubadala, para que a refinaria volte a ser incorporada à Petrobras. Nós não sabemos ainda quando isso ocorrerá, nem como será o modelo dessa reincorporação, mas acreditamos que até junho ou julho devam ocorrer avanços. Defendemos esse negócio porque entendemos que ele será benéfico à Bahia, aos baianos e à economia do estado”, afirmou o diretor de Comunicação do Sindicato dos Petroleiros, Radiovaldo Costa.


Foto: Divulgação/Acelen

Por: Daniela Gonzalez e Jairo Costa Jr. no dia 03 de maio de 2024 às 07:30